19/04 – Dia dos Povos Indígenas

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Fortalecer as políticas indigenistas contra o genocídio

Indígenas Yanomami. Foto: Nelson Ameida/AFP

19 de abril é o Dia dos Povos Indígenas, uma data oficial para lembrar a importância da diversidade cultural, mas, sobretudo, um dia que marca a luta e a resistência desses povos pela vida, em defesa de seus territórios, sua cultura, seus costumes e sua ancestralidade.

Criada em 1943 com o nome de Dia do Índio, em 2022 a data mudou de nome em resposta à reivindicação do movimento indígena. A palavra ‘indígena’ significa ‘originário’ e correspondente ao nativo de um local específico. A alteração fortalece a identidade étnica e pertencimento aos povos.

Durante muitos anos, a data cívica distanciou-se da luta pela garantia de direitos, assim como da imagem que retrata o genocídio de vários povos, desde a conquista dos europeus. Mas, o movimento indígena a cada ano chama atenção para suas pautas.

Discriminados, perseguidos e com seus direitos negados, os povos indígenas protagonizam lutas que ganham destaque em todo o cenário nacional e internacional.

O Sindsef-SP apoia as lutas dos povos indígenas, porque considera que são resistência pela vida, por direitos e soberania nacional.

Povos indígenas existem e resistem

Eram aproximadamente seis milhões de indígenas no país quando os portugueses chegaram ao Brasil. Desde então, os povos originários foram perseguidos, vítimas de violência de todas as formas e genocídio. A transmissão de doenças em contato com os brancos dizimou povos inteiros.

Dos 80 milhões de indígenas que viviam nas Américas no ano de 1500, cerca de 70 milhões foram dizimados. No Brasil, neste período, a população indígena era de aproximadamente 6 milhões de pessoas. A população foi reduzida para 600 mil e em 1957 havia o registro de apenas 120 mil indígenas.

Atualmente, a população indígena vem crescendo e, também, a luta pelos seus direitos, especialmente quanto às políticas públicas. Segundo o Censo do IBGE 2010, há 896.917 indígenas no Brasil, de 305 etnias, falantes de 274 línguas diferenciadas. Estima-se que existam ao menos 77 grupos de índios isolados na floresta amazônica brasileira.

Enfrentamento aos projetos genocidas

A luta dos povos indígenas no Brasil atravessa séculos.  Hoje, a demarcação territorial é a principal pauta do movimento indígena. Mas, há também a luta por direitos, como acesso à justiça, educação bilíngue e saúde. Na prática, todas essas pautas caminham juntas e dependem umas das outras.

Atualmente, observa-se a intensificação dos processos de apropriação dos territórios indígenas e áreas legalmente protegidas. Os grandes projetos econômicos, agropecuários, mineradoras e hidroelétricas, mantidos com a conivência ou pelo próprio Estado, acarretam a destruição ecológica, o esbulho das terras, a exploração dos recursos naturais nos territórios e o genocídio.

Cartaz ATL 2023. Imagem: Apib

Os povos indígenas reagem. Exemplo de forte mobilização é o Acampamento Terra Livre (ATL), que neste ano está em sua 19ª edição. A maior assembleia dos povos indígenas brasileiros que irá ocorrer entre os dias 24 e 28 de abril em Brasília (DF), com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia!”.

Tragédia Yanomami e as políticas indigenistas

A “viralização” do caso dos Yanomami nas redes sociais fez com que os olhares fossem direcionados ao garimpo ilegal e ao governo Bolsonaro. Entretanto, ficou evidente que a situação decorre, também, do desmonte das políticas indigenistas e ambientais promovido por consecutivos governos, ainda que intensificados nos últimos quatro anos. Ou seja, Estado e iniciativa privada são responsáveis pelo genocídio e pela destruição da Mãe Natureza.

O território dos Yanomamis está localizado entre os Estados de Roraima e Amazonas ao norte, na divisa de Brasil e Venezuela.  A região não é muito longe do Vale do Javari, onde os indigenistas Maxciel Pereira dos Santos e Bruno Araújo Pereira, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados. Todos eles atuavam no combate ao garimpo ilegal.

Ato Justiça por Bruno, Dom e Maxciel em São Paulo, 2022. Foto: Fábia Corrêa

A importância da Funai ficou evidente no depoimento de Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) no dia 17 de abril, durante o lançamento da 38ª edição do Caderno Conflitos no Campo Brasil, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), na capital federal.

Beto falou sobre o trabalho de capacitação técnica realizado pelo indigenista Bruno Araújo Pereira para que os indígenas da região pudessem ter mais respaldo em suas denúncias sobre invasões aos territórios.

“Bruno ensinou mapas, programação de computadores, georreferenciamento e pilotagem de drones para termos relatórios técnicos. Antes, o que acontecia? A gente chegava no Ministério Público Federal e na Polícia Federal, e nossas mensagens eram inócuas. Diziam: precisamos de provas, vocês têm que comprovar”, relembrou.

A partir dessa capacitação, houve o empoderamento dos indígenas na região. Segundo o representante da Univaja, cerca de 30 indígenas foram capacitados para fazer a vigilância do território e elaborar subsídios e relatórios técnicos das violações contra as invasões no território. “Hoje, outras lideranças são capacitadas para levarem adiante o trabalho deixado por Bruno”, contou Beto.

Pelo fortalecimento da Funai

Responsável pela proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas no Brasil, a Funai sofre sucateamento e desmonte em todo Brasil. Não há condições dignas de atender às comunidades, assim como tantos outros órgãos públicos.

Os servidores do órgão federal lutam por melhorias estruturais dos prédios, por melhores condições de trabalho, pela recomposição da força de trabalho e pela implantação da carreira indigenista.

Diante das mudanças ocorridas a partir do fim do governo genocida de Bolsonaro, a categoria enxerga com bons olhos o protagonismo indígena na gestão da Funai e no Ministério dos Povos Indígenas (MPI), todavia, defende que outros cargos, além daqueles de confiança, também devem ser destinados aos indígenas.

“Os povos indígenas das regiões onde a Funai atua são muito importantes com todo o conhecimento local e da vida. Isso é tudo muito valioso. Então, é importante ter indígenas concursados na Funai para realmente construir e reconstruir as políticas de Estado. Eu acho que essa reaproximação precisa ser feita e a gente espera muito que os povos indígenas venham para dentro da Funai”, afirma o indigenista Marco Mitidieri, servidor da Funai na Baixada Santista, São Paulo.

Neste sentido, a categoria reivindica concursos com cotas específicas para vários recortes, especialmente, indígena. De acordo com o servidor, “existem indígenas perfeitamente capazes e muito bem formados que podem passar nesses concursos públicos e de vários outros segmentos”.

Servidores da Baixada Santista realizam ato em defesa do plano de carreira indigenista.

A principal demanda dos servidores da Funai é o plano de carreira indigenista. Esse plano teria o objetivo de fortalecer o órgão, atraindo profissionais capacitados e motivados a realizar os trabalhos de forma bem recompensada.

Devido à falta de condições de trabalho, os pedidos de exoneração são comuns na fundação. “Muitas pessoas entram e saem da Funai, por exemplo, passando outros concursos, achando empregos melhores, menos sacrificantes. Existem as questões familiares também, porque a rotina de trabalho da Funai implica morar longe”, conta Mitidieri.

Para a categoria, o caminho da retomada da política indigenista de Estado está numa Funai mais participativa, com o protagonismo indígena e dos servidores de carreira em busca de melhorar o atendimento às comunidades.

O Sindsef-SP está junto aos servidores da Funai na defesa de suas justas reivindicações e dos serviços públicos. O investimento e a valorização dos servidores e dos serviços públicos são fundamentais para a vida dos povos tradicionais e sua permanência em seus territórios com segurança.

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ENTREVISTA

No Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, o Sindsef-SP entrevistou Marco Antônio Cordeiro Mitidieri, indigenista da Funai na coordenação regional Litoral Sudeste, na Baixada Santista. Marco também é associado à Indigenistas Associados, uma entidade nacional de servidores atuante na causa indígena junto com outras organizações sindicais parceiras, a exemplo do Sindsef-SP. Confira a entrevista na íntegra:

Sindsef-SP – O que você tem a dizer sobre o Dia dos Povos Indígenas?

Marco Mitidieri – Eu entendo que o Dia dos Povos Indígenas reafirma as origens do povo brasileiro. A gente precisa ir se aprofundando nas raízes da nossa sociedade e perceber que Brasil é uma terra indígena que foi invadida. Essa data tem um simbolismo também de acontecer antes do dia 22, que é comemorado o Descobrimento do Brasil, sendo que já havia pessoas, comunidades e culturas diferentes aqui, portanto, tratou-se de uma invasão. Acho que tem esse feito muito importante de reconhecimento da ancestralidade e de refletir sobre a presença das comunidades nos dias de hoje.

Então essa é a importância, por isso não é adequado essas questões que a gente sempre aprendeu na escola convencional das figuras folclóricas indígenas, dos cocares, de pintar as crianças, mas sim de convidar os povos indígenas para dentro das escolas. É um momento importante da sociedade valorizar e conhecer melhor toda essa existência.

Sindsef-SP – Após a mudança de governo, como você avalia a situação das políticas indigenistas e da Funai?

Marco Mitidieri – Com a mudança de governo, a gente ganha a chance de sobreviver. O governo passado tinha uma promessa de campanha e dá uma forçada no pescoço da Funai. O governo todo trabalhou muito para precarizar, para hostilizar, para dificultar o trabalho indigenista. Foi muito difícil e muito marcante também, porque marca um afastamento da Funai das comunidades indígenas.

Agora é um momento de reconstrução. A perspectiva é boa de participação. Está muito marcante neste momento o protagonismo indígena na gestão da Funai e no Ministério e a gente acha muito importante. A categoria dos servidores acha isso fundamental.

Sindsef-SP – O que você acha fundamental ser feito?

Marco Mitidieri – A Funai trabalha com um qualitativo de servidores com a metade das vagas que existem nela. A Funai está com em torno de 1200 a 1500 servidores. Então, a gente tem a perspectiva agora de ter um concurso público, que ainda são poucas vagas, precisa conquistar mais vagas no serviço público. A gente entende que os cargos a serem ocupados por indígenas tem que ser além dos cargos de confiança. Deve haver cotas para a Funai.

Enfim, estudar as possibilidades de regionalização também, porque os povos indígenas das regiões onde a Funai atua são muito importantes com todo o conhecimento local e da vida nas regiões. Isso é tudo muito valioso.

Então, é importante ter indígenas concursados na Funai para realmente construir e reconstruir as políticas de Estado. Eu acho que essa reaproximação precisa ser feita e a gente espera muito que os povos indígenas venham para dentro da Funai, aprender o que os servidores fazem e ir desvendando esses contatos com o Estado.

Sindsef-SP – Qual a importância da Funai e da valorização dos serviços públicos para as comunidades?

Marco Mitidieri – Para os povos tradicionais o serviço público é o que chega mais próximo, é quem está lá. Se a gente pega o recorte dos povos indígenas, é a Funai, a Sesai e o INSS nos municípios próximos, pensando na escola nacional, na Amazônia… O serviço público é o que chega para eles e, também, através da sociedade civil organizada.

Sindsef-SP – Você acha que a Funai precisa de uma nova reestruturação? Por quê?

Marco Mitidieri – Sim. É preciso restabelecer a estrutura da Funai, os equipamentos, as pessoas. Há muitos servidores doentes, muitos se aposentaram. É necessário reestruturar tudo isso e as relações também.

Agora, uma reestruturação administrativa precisa ser bem discutida. Tem melhorias a serem feitas, mas de maneira participativa, com o protagonismo indígena também para ajudar tomar as decisões e com o protagonismo também dos servidores de carreira, dos servidores de carreira também junto a eles, planejando o que pode ser mais operacional, enfim, procurando melhorar o atendimento às comunidades. Acho que esse é o caminho para retomar a política indigenista de Estado. Mas, acho que tudo deve ser feito com muito diálogo, muita calma e com uma análise profundamente técnica.

Sindsef-SP – Quais são as principais demandas dos servidores da Funai?

Marco Mitidieri – A principal demanda dos servidores da Funai é o plano de carreira indigenista, porque as condições serviços na Funai não são boas. Muitas pessoas entram e saem da Funai, por exemplo, passando outros concursos, achando empregos melhores, menos sacrificantes. Existem as questões familiares também, porque a rotina de trabalho da Funai implica morar longe.

Queremos o fortalecimento da carreira de indigenista. Uma carreira típica de estado que seja organizada de uma forma que atraia as pessoas para que façam os trabalhos de uma maneira bem recompensada; e reafirmando, também, a importância de os indígenas estarem nessas posições, porque existem indígenas perfeitamente capazes e muito bem formados podem passar nesses concursos públicos e vários outros segmentos.

Então, achamos importante isso: concursos com cotas específicas para vários recortes, principalmente, indígena; plano de carreira que prevista que qualquer carreira progrida também,  porque quando você tem uma estrutura de plano de carreira, consegue planejar as questões de adicionais de fronteira, consegue estruturar essa carreira com calma e aí as pessoas certamente vão se sentir mais confiantes em investir na sua carreira indigenista e conseguir fazer esse trabalho por muito tempo.

*Matéria produzida com informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja)

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