GT da reforma administrativa na Câmara ecoa discurso neoliberal e exclui servidores

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Conforme o Sindsef-SP tem noticiado, o Grupo de Trabalho (GT) da Reforma Administrativa instalado na Câmara dos Deputados tem avançado rapidamente, em um processo marcado por exclusões, ausência de diálogo real com a base do funcionalismo público e forte presença de discursos alinhados à lógica privatista. As audiências públicas promovidas até agora deixam claro que a intenção do GT não é fortalecer os serviços públicos nem valorizar os trabalhadores do setor, mas sim reconfigurar o papel do Estado para atender aos interesses do mercado.

Com a previsão de apresentação do relatório final até 14 de julho, os debates vêm sendo conduzidos de forma apressada e com composição profundamente desequilibrada. Enquanto representantes de setores empresariais e de carreiras jurídicas têm amplo espaço para expor suas pautas, entidades representativas de servidores da base do funcionalismo federal, estadual e municipal vêm sendo sistematicamente ignoradas ou relegadas a participações breves e marginais, com apenas alguns minutos de fala em audiências de grande relevância para o futuro do serviço público brasileiro.

Audiência pública do GT da reforma administrativa. Imagem: TV Câmara

Na audiência pública realizada em 1º de julho, pela manhã, o GT convidou acadêmicos reconhecidamente alinhados ao ideário liberal, que reforçaram argumentos voltados à flexibilização de vínculos, à redução da estabilidade funcional e à introdução de critérios subjetivos de gestão. Estiveram presentes nomes como Rafael Rodrigo Viegas (FGV), Humberto Falcão Martins (Fundação Dom Cabral), Sérgio Pinheiro (Insper), Nelson Marconi e Carlos Ari Sunfeld (ambos da FGV).

À tarde, o debate foi inteiramente dedicado às carreiras jurídicas, que tiveram tempo e liberdade para apresentar suas demandas de forma ampla e detalhada. A centralidade concedida a esse segmento contrasta com o tratamento dispensado à ampla maioria dos trabalhadores públicos, principalmente aqueles que atuam na prestação direta de serviços à população. O recorte revela uma condução elitista do processo e reflete a lógica de segmentação do funcionalismo — onde uns poucos são tratados como essenciais, enquanto a maioria é empurrada para vínculos precários e instabilidade.

Dentre os poucos momentos críticos registrados nas audiências, a fala do pesquisador Rafael Viegas merece destaque. Ele criticou a atuação da magistratura na manutenção dos chamados supersalários e apontou que a autonomia dos tribunais vem sendo usada para proteger privilégios. Também denunciou a estrutura fechada dos conselhos como o CNJ e o CNMP, que, segundo ele, “impede qualquer forma efetiva de fiscalização externa”. Viegas defendeu que uma verdadeira reforma deveria abrir espaço para a participação da sociedade civil e dos servidores que sustentam a Justiça cotidianamente.

Também se destacaram as falas da professora Cláudia Souza Passador (USP) e do professor Carlos Vainer (UFRJ), que apresentaram visões opostas ao consenso liberal dominante. Ambos argumentaram em defesa de um Estado comprometido com a garantia de direitos sociais e da valorização do servidor público como agente essencial das políticas públicas. Suas intervenções se mostraram fundamentais em meio a um cenário majoritariamente hostil à permanência de um serviço público estruturado e democrático.

No entanto, essas posições críticas foram exceções em um ambiente dominado por falas tecnocráticas e ideologicamente orientadas à redução do Estado. O professor Humberto Falcão Martins, por exemplo, citou uma suposta “ineficiência média de 20%” no setor público para defender a adoção de vínculos não estatutários e critérios subjetivos como “vocação” e “liderança” no recrutamento de servidores. A retórica da “gestão estratégica” apareceu como justificativa para flexibilizar direitos e cortar pessoal, sem enfrentar os verdadeiros gargalos do setor.

Já o economista Sérgio Pinheiro apresentou uma das falas mais radicais do ponto de vista liberal. Questionou a estabilidade funcional, que classificou como um “limite” à eficiência, e propôs alternativas como o prolongamento do estágio probatório, a redução dos salários de entrada e o uso de avaliações obrigatórias baseadas em distribuição forçada de desempenho. Para ele, o funcionalismo seria um “desperdício de talentos”, pois atrairia profissionais apenas por oferecer salários melhores que os da iniciativa privada.

Nelson Marconi também trouxe essa linha de pensamento, alegando que servidores teriam “baixo incentivo para performar” e que seria preciso criar mecanismos de cobrança mais rígidos. Carlos Ari Sunfeld foi além, defendendo abertamente a “desconstitucionalização” da gestão pública e a conversão das universidades federais em fundações de direito privado, retomando medidas que marcaram o processo de privatização e desmonte do Estado nos anos 1990.

A articulação desses discursos com projetos em tramitação, como o PL 3069/2025, torna ainda mais evidente a tentativa de institucionalizar a precarização. A proposta, apresentada por parlamentares envolvidos no próprio GT, como Pedro Campos (PSB-PE), regulamenta a contratação de servidores temporários nos entes federativos e cria o Portal Nacional de Contratações por Tempo Determinado. Embora traga garantias mínimas como 13º proporcional e férias, o projeto escancara uma lógica de rotatividade, segmentação de direitos e enfraquecimento do Regime Jurídico Único (RJU), desmontando a espinha dorsal do serviço público.

O modelo em construção no GT é baseado em distinções e privilégios, consolidando um serviço público de castas, em que poucos mantêm estabilidade e prestígio, enquanto a maioria enfrenta contratos temporários, insegurança jurídica e desvalorização constante. Essa concepção fere frontalmente a ideia de universalização dos direitos e aprofunda a desigualdade de acesso a políticas públicas essenciais, como saúde, educação, previdência e assistência social.

O Sindsef-SP entende que esse processo não pode ser naturalizado. O debate sobre a Reforma Administrativa precisa ser democratizado, com escuta real das entidades da base do funcionalismo e com participação dos trabalhadores que atuam diretamente no atendimento à população. A luta contra essa reforma é uma luta em defesa de um Estado comprometido com os interesses sociais, e não com as exigências do mercado.

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