PL 3069/2025: Garantia de direitos ou avanço da precarização no serviço público?

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Fachada do Congresso Nacional, a sede das duas Casas do Poder Legislativo brasileiro. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Está em discussão na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3069/2025, conhecido como Lei Geral dos Temporários, que propõe a criação de um regime jurídico nacional para regulamentar contratações por tempo determinado no setor público. A proposta surge como resposta à ausência de uma legislação unificada que trate do tema, buscando dar maior segurança jurídica aos gestores e garantir direitos mínimos aos contratados temporários.

À primeira vista, o projeto parece uma iniciativa louvável. Afinal, é justo que trabalhadores temporários tenham acesso a direitos básicos, como 13º salário, férias, estabilidade à gestante e aviso prévio. No entanto, é preciso olhar com cautela para o que está sendo proposto. O risco real é que o PL 3069/2025 — em vez de corrigir distorções — legitime e amplifique uma prática que, na verdade, deveria ser combatida: o uso sistemático e abusivo de contratações temporárias em funções que são permanentes no serviço público.

Temporários: da exceção à regra

As contratações temporárias são previstas na Constituição Federal (art. 37, IX) como uma exceção, destinadas a atender necessidades emergenciais e de interesse público excepcional. São situações como catástrofes naturais, epidemias ou execução de projetos pontuais que, por sua natureza, não demandam a criação de cargos permanentes.

Entretanto, o que se observa na prática é uma transformação dessa exceção em regra. Dados do IBGE indicam que, entre 2012 e 2023, o número de vínculos temporários ou não permanentes no setor público cresceu significativamente em todas as esferas da federação. Na educação, por exemplo, o número de docentes temporários aumentou 65,2% entre 2011 e 2024. Em algumas redes estaduais, já se aproxima da metade do total de professores.

Isso significa que cada vez mais atividades essenciais — que exigem continuidade, planejamento e estabilidade — estão sendo assumidas por profissionais com vínculos frágeis, sujeitos a rotatividade constante, baixos salários e restrições de direitos.

PLs no Congresso podem agravar esse cenário

O PL 3069/2025, apresentado pela deputada Tabata Amaral (PSB/SP) e outros parlamentares, não está sozinho. Tramita paralelamente no Senado o PL 3086/2025, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB/SE), com praticamente o mesmo conteúdo e objetivos. As duas propostas visam consolidar um marco legal nacional para a contratação temporária no serviço público — ou, nas palavras dos defensores, criar um “regime jurídico próprio para agentes públicos especiais”.

Embora apresentem avanços pontuais ao prever direitos mínimos aos contratados, os dois projetos partem de uma lógica equivocada: a de que o vínculo precário, transitório e flexível pode ser a nova norma no setor público. É exatamente o oposto do que determina a Constituição, que prioriza o concurso público como forma legítima de ingresso no serviço público.

Ambos os textos, inclusive, admitem contratações temporárias mesmo quando há concursos em vigor com candidatos aprovados. E, ainda pior, criam um desincentivo à nomeação: caso o aprovado aceite ser contratado como temporário, ficará impedido de assumir o cargo efetivo por dois anos. Trata-se de um círculo vicioso que fragiliza o concurso público e estimula a precarização.

Regulação ou institucionalização da precarização?

O texto do PL 3069/2025 busca corrigir distorções como a ausência de um regime jurídico unificado, contratos sucessivos e baixa transparência nas contratações. Para isso, propõe uma lei nacional que defina um conjunto mínimo de direitos, obrigue a existência de contratos com prazo certo e torne os processos seletivos mais transparentes.

O problema é que, ao regulamentar e organizar o regime temporário, o projeto pode acabar fortalecendo e naturalizando uma prática que precisa ser limitada — e não institucionalizada. Em vez de frear o uso abusivo dessas contratações, há o risco de que estados e municípios se sintam ainda mais à vontade para recorrer a esse modelo, sobretudo diante da pressão por corte de gastos e da busca por soluções de “baixo custo” para suprir a demanda de serviços.

Esse argumento de que a contratação temporária seria uma solução mais barata, contudo, também precisa ser questionado. Apesar de aparentar menor custo imediato, essa modalidade acarreta alta rotatividade, perda de produtividade e gastos recorrentes com treinamentos, o que, a longo prazo, representa uma falsa economia. O resultado é um serviço público menos eficiente, mais caro e de menor qualidade para a população.

Precarização formalizada

Um dos trechos mais preocupantes do projeto é a previsão de que os direitos e vantagens dos temporários estarão limitados ao que for estabelecido pela legislação específica (art. 20). Isso significa, na prática, impedir que trabalhadores temporários ingressem com ações judiciais reivindicando equiparação com servidores efetivos, mesmo quando realizam exatamente as mesmas funções.

Em outras palavras, o projeto cria uma “segunda classe” de trabalhadores no serviço público: pessoas que exercem tarefas fundamentais, mas que ganham menos, têm menos direitos e podem ser desligadas a qualquer momento. Isso é precarização — formalizada por lei.

E o efeito colateral é claro: gestores públicos, pressionados por restrições orçamentárias ou motivados por interesses políticos, tenderão a ampliar esse tipo de contratação. Afinal, será sempre mais “vantajoso” contar com trabalhadores temporários, mais baratos e mais frágeis do ponto de vista jurídico, do que abrir concursos públicos e contratar servidores com estabilidade e direitos assegurados.

Em defesa do concurso público

É importante ressaltar: o Sindsef-SP defende que todos os trabalhadores tenham direitos básicos garantidos. Mas isso não pode justificar a proliferação de vínculos precários em detrimento do concurso público. A estabilidade no serviço público não é um privilégio — é uma garantia institucional de que o servidor poderá exercer suas funções com independência, sem pressões políticas, e com o compromisso de servir à população, e não a governos.

O concurso público é um dos poucos instrumentos que asseguram isonomia no acesso a cargos públicos, impedindo o clientelismo e o apadrinhamento político. Fragilizá-lo ou substituí-lo por contratações temporárias é abrir caminho para o desmonte do Estado. É transformar políticas públicas em serviços eventuais, prestados por profissionais transitórios, com pouca perspectiva de continuidade ou melhoria.

O verdadeiro debate: frear, e não regulamentar o abuso

O problema, portanto, não está apenas no que os PLs 3069/2025 e 3086/2025 propõem — mas no que eles deixam de enfrentar. Em vez de regulamentar a prática, o país precisa discutir como frear a explosão das contratações temporárias e resgatar o papel central do concurso público como forma de acesso ao serviço público. É preciso impor limites claros à quantidade de temporários que podem ser contratados, estabelecer controles rigorosos e obrigar os entes federativos a priorizarem a realização de concursos.

Além disso, é fundamental enfrentar o uso político dessas contratações. Temporários são frequentemente utilizados como moeda de troca em alianças locais e eleitorais, o que reforça o clientelismo e enfraquece a profissionalização da gestão pública.

Modernização é valorizar os servidores e investir nos serviços públicos

O Sindsef-SP reafirma seu compromisso com os trabalhadores e com a defesa de um serviço público de qualidade, estável e profissionalizado. Isso passa, necessariamente, pela valorização dos servidores efetivos, pela realização de concursos públicos e pela reversão do processo de precarização que tem tomado conta da administração pública. 

Reconhecemos que o PL 3069/2025 traz avanços pontuais ao garantir direitos mínimos aos trabalhadores temporários. No entanto, o projeto não pode servir de pretexto para consolidar um modelo de Estado precarizado, onde o lucro e a redução de custos se sobrepõem às necessidades da população. 

A exceção não pode virar regra. O temporário não pode ocupar o lugar do servidor concursado. O que está em jogo é o futuro do serviço público e o direito de todos os brasileiros a políticas públicas universais, contínuas e de qualidade.

 Se o Congresso Nacional quer de fato modernizar a gestão pública, o caminho não é institucionalizar vínculos precários, mas investir na valorização de quem constrói cotidianamente os pilares do Estado: os servidores públicos.

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