Um projeto de lei que tramita no Senado reacendeu o alerta entre os profissionais da saúde. O PL 2.585/2025, de autoria do senador Wilder Morais (PL-GO), propõe a criação de um programa de avaliação de desempenho no SUS com metas de atendimento, indicadores quantitativos e qualitativos e uma plataforma digital onde pacientes poderão avaliar o serviço prestado por profissionais da saúde, como é comum na iniciativa privada.
Na teoria, a proposta visa melhorar a qualidade do atendimento. Na prática, trata-se de mais uma medida com viés punitivista, que pode abrir caminho para o assédio moral institucionalizado.
O projeto, atualmente na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), é mais um que chega com o discurso de “modernização” e “eficiência”, mas ignora as desigualdades estruturais entre regiões, a precariedade das unidades e a sobrecarga das equipes.
“Vamos avaliar também o ambiente de trabalho dos farmas?”, ironizou uma trabalhadora nas redes sociais. “Cadeiras quebradas, falta de sistema para entrada e saída de medicamentos… e a culpa é do servidor que não sorriu na hora do atendimento?”
Os comentários nas publicações sobre o PL 2.585/2025 deixam claro que o problema não é a avaliação em si, mas o uso que se faz dela.
“A gente também pode avaliar os sem noção que atendemos? Os que ameaçam, apontam o dedo na cara, fazem escândalo?”, desabafou uma farmacêutica hospitalar. Comentários como esse revelam o cansaço e a tensão permanente no cotidiano dos trabalhadores da saúde — que agora veem o risco de serem julgados por avaliações subjetivas, descontextualizadas e desprotegidas de critérios técnicos.
Risco de assédio moral e adoecimento
É preciso atenção: iniciativas desse tipo podem se tornar terreno fértil para práticas de assédio moral. Quando metas e avaliações passam a pautar a permanência ou o reconhecimento profissional, sem que haja debate ou garantia de condições dignas de trabalho, o resultado costuma ser pressão excessiva, culpabilização do trabalhador e adoecimento psicológico.
“Não precisamos de avaliação, precisamos de respeito e um piso digno!”, resume um comentário de um servidor. É consenso entre os profissionais que a cobrança por resultados precisa vir acompanhada de investimento, valorização salarial, estrutura adequada e equipes completas — o que hoje, em muitos casos, está longe de ser realidade.
Medida desnecessária
Outro ponto ignorado pelo projeto: já existe, desde 2010, um processo formal de Avaliação de Desempenho (AD) implantado pelo Ministério da Saúde, previsto no Decreto nº 7.133/2010. Essa avaliação, de caráter técnico e permanente, analisa tanto o desempenho individual dos servidores quanto os resultados institucionais. O que o PL 2.585/2025 propõe é dar ao processo uma roupagem digital e mercadológica, baseada na lógica de satisfação do cliente.
“Avaliar o atendimento é importante, mas e o piso salarial dos farmacêuticos, parado há quase um ano? Não há como garantir qualidade no atendimento sem valorização e reconhecimento”, destacou outro profissional.
Para o SUS melhorar, é preciso valorizar quem o faz funcionar
O Sindsef-SP rechaça tentativas de transferir para os ombros dos servidores a responsabilidade pelos problemas decorrentes de consecutivos cortes orçamentários, sucateamento e terceirizações. Essa proposta não é sobre eficiência. É sobre vigilância, controle e ameaça ao servidor público.
É fundamental considerar a saúde física e mental dos profissionais da saúde. Cobrança sem suporte, metas sem estrutura e avaliações sem critério técnico são a receita certa para o adoecimento. Infelizmente, setores como o de teleatendimento já vivem essa lógica perversa, em que metas inalcançáveis e pressão constante desumanizam o trabalho e geram altos índices de sofrimento e adoecimento. O que não podemos aceitar é que esse modelo, já tão cruel em outras áreas, seja importado para o SUS. Os profissionais da saúde precisam de condições dignas para cuidar — inclusive de si mesmos.
O que está em jogo não é só a qualidade do atendimento — é a dignidade de quem dedica a vida ao cuidado da população brasileira.