O avanço da violência policial e o alvo preferencial: a juventude negra e pobre

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Relatório produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta a escalada da violência policial no governo de São Paulo. Entre 2022 e 2024, o estado registrou um aumento de 120% no número de mortes de crianças e adolescentes em decorrência de intervenções policiais.

Esse crescimento foi observado no mesmo período em que ocorreram mudanças nos protocolos de uso das câmeras corporais e em outros mecanismos de controle das forças de segurança.

A história das câmeras corporais no estado mais rico do país é uma poderosa lição sobre o alcance e os limites da tecnologia quando dissociada de uma política de segurança pública comprometida com a vida.

O projeto, que chegou a ser classificado internacionalmente como exemplo de transparência e redução da letalidade, foi desfeito por decisões políticas que enfraqueceram os mecanismos de controle, estimularam operações de vingança e naturalizaram a violência policial.

São Paulo: enfraquecimento dos mecanismos de controle

O Programa Olho Vivo, que implementou câmeras corporais em parte da Polícia Militar de São Paulo, demonstrou uma redução de 62,7% nas mortes causadas por policiais militares em serviço em 2022, comparado a 2019. Nos batalhões equipados, a queda na letalidade foi de 76,2%. Entre crianças e adolescentes (10 a 19 anos) houve redução de 66,7% de mortes no período. Também houve um registro menor no número de policiais mortos em serviço.

Contudo, esta redução foi desfeita em um período de dois anos. Em 2024, os dados foram alarmantes: pessoas negras representaram 66,6% das vítimas de PMs em serviço. No recorte etário, a disparidade é ainda mais trágica: crianças e adolescentes negros tiveram 3,7 vezes mais chances de serem mortos pela PM em serviço do que seus pares brancos. A vida da juventude negra, portanto, tem sido o preço desproporcionalmente alto pago pelo abandono dos controles.

Essa reviravolta não é acidental, mas sim fruto de um enfraquecimento deliberado dos mecanismos de controle. Discursos de representantes do governo questionaram publicamente a eficácia das câmeras, enquanto operações policiais de altíssima letalidade, como as “Operações Escudo” (muitas vezes lançadas como retaliação à morte de policiais), se tornaram frequentes. Adicionalmente, houve um afrouxamento do controle interno da Corregedoria da PMESP, com quedas significativas nos Conselhos de Disciplina e processos administrativos.

A Proposta de Vigilância em Massa

O ciclo de retrocesso se completa com a proposta de mudança no modelo de câmeras corporais, trocando o sistema de gravação ininterrupta por um de acionamento intencional pelo policial, integrado a softwares de reconhecimento facial. Essa mudança ignora o histórico de falhas: no Rio de Janeiro e em Santa Catarina, estudos já demonstraram que policiais tendem a não acionar as câmeras em momentos de uso da força. A inclusão do reconhecimento facial, por sua vez, transforma uma ferramenta de controle da polícia em um instrumento de vigilância em massa, com alto risco de viés racial e de violação de direitos civis.

A barbárie recente em São Paulo é simbolizada pela morte de Ryan da Silva, de 4 anos, assassinado pela PM em Santos, meses depois de ter visto seu pai ser executado na letal Operação Verão. A resposta do governo, que classificou as críticas à morte do menino como “vitimismo barato” e enalteceu o secretário de Segurança, sintetiza uma política de Estado que legitima a morte como método.

Ryan da Silva Andrade, nos braços do pai, Leonel (Redes Sociais/Reprodução)
Um Padrão

A letalidade policial não é restrita a São Paulo, mas um projeto político nacional que criminaliza a pobreza. Nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro, o padrão se repete: operações violentas, ausência de controle e vítimas majoritariamente negras e pobres.

Na Bahia, o estado segue sendo, há quatro anos, a polícia que mais mata no país. Casos como o do menino Arthur, de 9 anos, baleado a caminho da escola em Salvador, e as mortes de Caíque dos Santos (16) e Marcos Vinícius (jovem autista, 26), ilustram a lógica letal que se repete nas comunidades. A repressão policial, mesmo em protestos contra a violência, se mantém brutal.

No Rio de Janeiro, o uso da força excessiva e o alto número de mortes em intervenções policiais também são uma marca. Assim como na Bahia e em São Paulo, o perfil das vítimas — jovem, pobre e negro, morador das periferias — é o mesmo, independentemente da orientação política dos governadores (sejam eles bolsonaristas como Tarcísio de Freitas e Cláudio Castro, ou petistas como Jerônimo Rodrigues).

O Genocídio Racista Como Política de Estado

O aumento da letalidade policial, especialmente entre crianças e adolescentes, evidencia o fracasso do modelo de segurança baseado no confronto e na militarização. O ciclo de violência se sustenta sobre dois pilares: a criminalização da pobreza (principalmente via “guerra às drogas”) e a atuação de uma polícia orientada para o massacre da juventude negra e o controle social das periferias.

A história das câmeras em São Paulo provou que a tecnologia, aliada à vontade política de responsabilização, pode evitar mortes. O abandono desse modelo e a consequente escalada de mortes, pagos com as vidas da juventude negra, tornam evidente que a violência policial no Brasil não é um desvio, mas uma engrenagem estratégica para manter os níveis brutais de desigualdade.

Denunciar e romper esse ciclo é uma urgência coletiva que exige a substituição do atual modelo de segurança, baseado na morte.

Garantir que crianças cresçam livres do medo, da repressão e da exclusão deveria ser um compromisso dos governos, seja ele federal, estadual ou municipal.

O Sindsef-SP destaca a importância da luta pelo fim da violência policial e do racismo, para que a futura geração tenha direito à infância e à juventude, direitos básicos que hoje seguem negados a tantas meninas e meninos das periferias. Uma luta por igualdade e por um país em que a cor da pele ou o CEP não determinem quem pode viver.

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