20 de Novembro: Consciência Negra em um país que naturaliza a morte; e que segue lutando por vida e reparação

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O Brasil chega a mais um Dia da Consciência Negra sob o impacto devastador da Operação Contenção, ação policial que deixou mais de uma centena de mortos nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, configurando a operação mais letal da história do país.

A gravidade foi tamanha que especialistas da ONU cobraram uma investigação imediata, independente e minuciosa, diante dos indícios de execuções sumárias, invasões de domicílio, prisões arbitrárias e disparos a partir de helicópteros e drones em áreas povoadas. A morte, mais uma vez, foi tratada como método de gestão pública.

Ato na favela palco de operação no Rio pede justiça por mortos (Ricardo Moraes / Reuters)

Organizações de direitos humanos denunciaram o uso ilegítimo da força, a adoção de uma doutrina de guerra como política de Estado e o aprofundamento de uma lógica que trata a população negra e periférica como inimiga interna.

É também sob esse cenário que chegamos à 11ª Marcha da Periferia da Brasilândia, que mais uma vez ocupará as ruas no dia 29 de novembro. Há onze anos, o protesto é um grito coletivo contra o racismo estrutural, a violência policial e a negligência do Estado com a vida e a dignidade das pessoas negras das periferias.

11ª Marcha da Periferia da Brasilândia: 29 de novembro, a partir das das 14h

A Marcha, que parte da Praça do Circo Escola da Vila Penteado e segue até a Casa Luiza Mahin, destaca a potência das mobilizações produzidas nos territórios: em um ano marcado por massacres cometidos pelo Estado, tomar as ruas é um gesto de vida, afirmação e resistência.

Paraisópolis: memória e luta que não param

O Sindsef-SP também reafirma sua solidariedade às famílias de jovens mortos, como os nove no baile da DZ7, em Paraisópolis, em dezembro de 2019. A violência policial daquela madrugada — bombas, balas de borracha, spray de pimenta e o cerco que empurrou centenas de jovens para uma viela onde nove foram mortos por asfixia — permanece como ferida aberta na cidade de São Paulo. Desde então, as famílias enfrentam a lentidão da justiça, o peso das falsas narrativas oficiais e o profundo desrespeito institucional à memória das vítimas. A cada audiência, ato público e mobilização, o Movimento de Familiares reafirma sua busca por Memória, Verdade e Justiça, conectando sua luta à de tantas outras famílias que, em todo o país, também transformam dor em força coletiva.

A dor de Paraisópolis dialoga diretamente com a do Rio de Janeiro e com a de todas as mães que enterram seus filhos vítimas de ações policiais. O padrão é o mesmo: violência racializada, legitimada pelo Estado, que transforma corpos negros em alvos e territórios periféricos em campos de guerra.

Um 20 de Novembro que denuncia um projeto de morte

O Dia da Consciência Negra não é apenas uma data comemorativa. Ele revela o país que ainda somos: atravessado por desigualdades profundas, estruturado por um racismo que nunca foi superado e que se renova por meio das políticas públicas. As marcas da escravidão seguem vivas na vida concreta da população negra, que enfrenta desigualdades de renda, acesso precário à saúde, educação e moradia, além de ser alvo prioritário da violência de Estado.

A violência policial e o encarceramento em massa são expressões diretas dessa estrutura. Dados recentes mostram que a imensa maioria das vítimas de operações policiais é negra e jovem, e que cerca de 70% das pessoas privadas de liberdade no país também são negras. Entre as mulheres privadas de liberdade, a maioria é composta por mulheres negras que carregam não apenas o peso da desigualdade racial, mas também o machismo e a ausência de políticas públicas que garantam condições mínimas de sobrevivência. A política crescente de privatização de presídios, que estabelece taxas mínimas de ocupação e repasse por preso, aprofunda esse ciclo perverso, transformando vidas negras encarceradas em instrumentos de lucro.

No mundo do trabalho, a herança escravocrata permanece igualmente evidente. A jornada exaustiva de 6×1 e os postos de trabalho mais precários continuam sendo ocupados majoritariamente por trabalhadores negros. Além disso, casos de trabalho análogo à escravidão, especialmente no agronegócio e em outras cadeias produtivas de grandes empresas, reforçam a permanência de práticas de exploração extrema.

Reparação histórica: imperativo para uma sociedade justa

Sem políticas de reparação histórica, a abolição permanece incompleta. A falta de titulação quilombola, a ausência de políticas afirmativas robustas, a negligência diante da desigualdade racial e a omissão do Estado em responsabilizar instituições que lucraram com a escravidão aprofundam o abismo entre brancos e negros no Brasil. Reparação é uma necessidade urgente e passa por redistribuição de terras, enfrentamento à violência policial, fortalecimento das políticas educacionais e sociais, combate ao encarceramento em massa e responsabilização das forças de segurança.

Consciência Negra como compromisso permanente

Para o Sindsef-SP, o 20 de Novembro é uma data de mobilização e compromisso. Defender a vida negra é defender toda a classe trabalhadora; é enfrentar as estruturas que sustentam a desigualdade, o racismo e a violência; é exigir políticas públicas que tratem vidas negras como dignas, e não como descartáveis. Em um país que insiste em naturalizar mortes, é preciso reafirmar que vidas negras importam — e que sua proteção é inegociável.

Que a memória de Zumbi dos Palmares, das vítimas da Operação Contenção, dos nove jovens de Paraisópolis e de todas as vidas negras interrompidas pelo Estado fortaleça nossa disposição de luta. Que este 20 de Novembro nos convoque a seguir nas ruas, nos sindicatos, nas escolas e nas comunidades, construindo diariamente a resistência necessária para um Brasil sem racismo, sem violência e com dignidade para todas e todos.

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