Aprovado a toque de caixa no Senado, projeto reduz penas, abre caminho para a anistia e revela a venda da democracia em troca de R$ 20 bilhões para sustentar o arcabouço fiscal.
SEM ANISTIA: GOLPE NÃO SE NEGOCIA!

A aprovação, a toque de caixa, do chamado “PL da Dosimetria” no Senado Federal é um vexame. O que se percebe não é um debate técnico, nem uma correção jurídica, mas um movimento político deliberado para reduzir penas, encurtar caminhos de responsabilização e abrir a porteira para uma anistia futura aos golpistas. Ainda que disfarçada de “calibragem”, trata-se de perdão ao que é imperdoável.
O projeto (PL 2162/2023) foi aprovado por 48 votos a 25 e agora segue para sanção presidencial. Isso só foi possível porque houve um acordo entre oposição, centrão e governo Lula, construído nos bastidores e blindado por um teatro público de divergências. Não se trata de um desvio pontual, mas de mais um capítulo da política de conciliação que transforma a democracia em moeda de troca.
A venda da democracia e a lógica do acordão

A tramitação acelerada do PL da Dosimetria não pode ser compreendida fora do contexto das negociações orçamentárias. Em troca da liberação do projeto que beneficia diretamente os responsáveis pela tentativa de golpe, o governo assegurou a aprovação de medidas fiscais de seu interesse, capazes de garantir cerca de R$ 20 bilhões em arrecadação adicional para cumprir as metas do arcabouço fiscal.
Na prática, a luta contra o golpismo foi vendida por bilhões, destinados a assegurar superávit fiscal e o pagamento da dívida pública. O governo Lula e a direção do partido demonstram, mais uma vez, que não enfrentam a extrema direita de forma consequente. Preferem negociar com ela, mantendo uma política de acordos que, longe de conter o golpismo, o fortalece.
Essa lógica não é novidade. É a mesma que barra pautas dos setores oprimidos, permite o avanço de projetos como o Marco Temporal e o PL da Devastação e naturaliza retrocessos em nome da “governabilidade”. O resultado é previsível: uma extrema direita cada vez mais confiante de que, no fim, sempre haverá conciliação.
PL da dosimetria é perdão aos golpistas
Na prática, o PL altera critérios de pena e de execução penal ligados aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, com impacto direto sobre os processos do 8 de janeiro. Não é um ajuste neutro. É uma intervenção legislativa feita no meio de investigações e condenações em curso, com objetivo político evidente: rebaixar a gravidade do ataque à democracia e empurrar o país para uma falsa “pacificação”.
É desse jeito que o perdão aos golpistas está sendo construído: não vem mais com a palavra “anistia” estampada na testa, vem disfarçado de “ajuste”, de “correção”, de “bom senso”. Primeiro mexem no cálculo, depois encurtam o caminho da punição, depois vendem a ideia de que “é preciso virar a página”. Quando a sociedade se dá conta, aquilo que foi crime contra a ordem democrática já está sendo tratado como incidente administrável — e o golpe vira quase um detalhe.
Vale lembrar que centenas de envolvidos já firmaram acordos e estão em liberdade. Os direitos dos réus foram respeitados, houve amplo contraditório e devido processo legal. A narrativa de perseguição é falsa. O que está em curso não é correção de excessos, mas alívio deliberado das punições para abrir caminho a uma anistia mais ampla.
A farsa do “PT votou contra” e o teatro do veto
Diante da revolta popular, constrói-se agora a narrativa de que “o PT votou contra” e de que “Lula vai vetar”. Essa encenação não resiste aos fatos. A negociação já estava em curso. O projeto foi liberado na CCJ e levado ao plenário quando os votos já estavam garantidos pela extrema direita e pelo centrão. O voto contrário, nesse contexto, serviu apenas para preservar a aparência diante da base social.
O mesmo vale para o veto presidencial, anunciado com antecedência. Lula vetará para ficar bem na fita, especialmente de olho nas próximas eleições, enquanto todos sabem que o veto poderá ser derrubado pelo Congresso Nacional. É o velho jogo institucional: teatro para a plateia, acordo nos bastidores. Trata-se de uma ação infame, assumida pelo PT em conjunto com os partidos da esquerda da ordem que sustentam este governo, ao firmar um acordo que rifa a democracia e mantém viva a tradição golpista da elite brasileira.
Enquanto isso, o país assiste à tentativa de empurrar mais uma vez um crime político para debaixo do tapete, na esperança de que o tempo dilua responsabilidades.
STF, manobras e o empurra-empurra institucional
Após a aprovação do projeto, PT, PSOL, PSB e PCdoB ingressaram no Supremo Tribunal Federal com mandado de segurança, questionando o rito acelerado, a supressão do debate e as manobras regimentais que marcaram a tramitação do PL da Dosimetria. No pedido liminar, solicitam inclusive a suspensão dos efeitos da aprovação no Senado.
Embora juridicamente relevante, essa iniciativa escancara o empurra-empurra institucional que marca momentos de crise política no país. O Supremo entra, mais uma vez, como peça de um jogo em que os diferentes Poderes tentam se livrar do desgaste, enquanto o essencial — o acordo político que permitiu a aprovação — permanece intocado.
Esse jogo de cena ocorre num momento em que as instituições estão fragilizadas pelo escândalo do Banco Master, um caso que revela a promiscuidade estrutural entre poder financeiro, Congresso Nacional, governo e Judiciário. A liquidação do banco e a prisão de seu controlador, Daniel Vorcaro (solto com tornozeleira 11 dias depois), escancararam uma teia de lobby que envolve partidos de todo o espectro político — do PL ao PT —, dirigentes partidários, operadores do centrão e figuras com trânsito direto em ministérios e tribunais superiores.
O caso respinga inclusive no próprio Supremo Tribunal Federal, com vínculos diretos de ministros e familiares com a instituição e com a condução do processo agora sob responsabilidade de um ministro da Corte. Esse cenário de desgaste ajuda a entender a pressa, os acordos por baixo da mesa e a disposição em “resolver tudo” sem debate público. Quando a lama sobe, fecha-se um pacto de silêncio entre os de cima.
O PL da Dosimetria está nesse contexto. Não como um fato isolado, mas como parte da velha tradição brasileira de blindagem mútua entre elites políticas, financeiras e judiciais, em que crises institucionais são administradas por acordos de cúpula e crimes políticos acabam, mais uma vez, varridos para debaixo do tapete.
Sem anistia: Para que não se esqueça! Para que nunca mais aconteça!

Apesar do legado sombrio da ditadura militar, houve o 8 de janeiro de 2023. Agora, pela primeira vez, os responsáveis começam a pagar. O Supremo Tribunal Federal já condenou dezenas de envolvidos nos núcleos golpistas, incluindo militares de alta patente e o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro.
A anistia a golpistas atrofia a democracia e estimula novas tentativas de sequestro do Estado. A democracia não se fortalece com acordos que relativizam o golpe. Fortalece-se com memória, justiça e responsabilidade. Diante disso, não há meio-termo possível. Sem anistia! Para que a ditadura militar nunca mais volte!
Relembre o que foi o 8 de janeiro

Não podemos esquecer. No 8 de janeiro, golpistas convocados nas redes sociais pelo clã Bolsonaro e aliados chegaram a Brasília em dezenas de caravanas financiadas por terceiros e se somaram a grupos radicalizados acampados havia meses em frente ao quartel-general do Exército. O avanço até a Esplanada dos Ministérios ocorreu com conivência e omissão de setores da segurança pública, incluindo policiais militares do Distrito Federal que facilitaram as ações.
O então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres — ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro — estava nos Estados Unidos. Em sua residência, posteriormente, foi encontrada a minuta de um decreto para instaurar um “estado de defesa” no Tribunal Superior Eleitoral e alterar o resultado das eleições.
Diante do caos, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário agiram de forma coordenada para preservar as instituições e seus cargos. Houve intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, desocupação dos acampamentos golpistas, prisões e responsabilização dos envolvidos. Aquela noite pôs à prova a democracia brasileira — e ela resistiu, mas ainda está sob risco.
Fica evidente que apenas a mobilização popular e a indignação social, que já se expressam nas ruas e nas pesquisas de opinião, têm força para romper esse acordão vergonhoso.





