Uma dica para quem se interessa pela estética da fome, pelas narrativas populares e pela crítica social presente no Cinema Novo brasileiro. O filme “A Noite do Espantalho”, dirigido por Sérgio Ricardo em 1974, é uma verdadeira ópera sertaneja em forma de cordel, que escancara as mazelas da concentração fundiária e a opressão no campo.

Com roteiro de nomes importantes como Jean-Claude Bernardet, Maurice Capovila, Nilson Barbosa e do próprio Sérgio Ricardo, a obra mistura música, poesia e denúncia social. A trama gira em torno de um grupo de camponeses que enfrenta um coronel disposto a vender suas terras para um “diabólico dragão”, símbolo do latifúndio e da exploração.

Filmado em Nova Jerusalém, em Pernambuco — famoso pelo maior teatro ao ar livre do mundo —, o longa se vale de elementos teatrais, musicais e cinematográficos para narrar a resistência popular. A trilha sonora, composta por Sérgio Ricardo, conta com interpretações de Alceu Valença e Geraldo Azevedo, que também atuam no filme ao lado de Rejane Medeiros.

A força estética de “A Noite do Espantalho” não se limita à tela. Suas músicas — como “Meu nome é Zé do Cão” e “Canção do Espantalho” — se tornaram verdadeiros hinos de resistência. É um filme que reverbera até hoje, especialmente num país que segue convivendo com conflitos agrários, concentração de terras e o avanço do agronegócio sobre territórios tradicionais.

Não por acaso, a obra foi escolhida para representar o Brasil no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1975 — embora, como tantas produções fora do eixo hegemônico, não tenha sido indicada.

Assistir a “A Noite do Espantalho” é, mais do que apreciar uma obra-prima do cinema nacional, refletir sobre o Brasil profundo, suas contradições e suas lutas históricas. Uma verdadeira aula sobre cultura popular, resistência e desigualdade social.

O filme foi exibido pela Cinemateca durante o Festival In-Edit Brasil, no dia 19 de junho, e está disponível no YouTube através do link: https://www.youtube.com/watch?v=NHgm8pCyzUk