Boletim especial: A nova reforma administrativa

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Ato contra o evento “Reforma Administrativa já” da Fiesp, 24/03/2025.

Em 24 de março de 2025, a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, representando o governo federal, foi destaque em evento, com empresários, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), cujo tema foi “A Reforma Administrativa nos Três Poderes: Perspectivas e Desafios na Transformação do Estado”. O governo tem chamado essa iniciativa de “futuro da gestão pública” e de “modernização do Estado brasileiro”. (Confira aqui o boletim especial em PDF)

A reforma, no entanto, faz parte de um projeto mais amplo da elite econômica, no Brasil e no mundo, que busca aprofundar a privatização e retirar direitos da classe trabalhadora. Embora ainda não haja um projeto oficialmente protocolado, essa reunião foi o gesto mais explícito do governo Lula no sentido de retomar o debate sobre a reforma administrativa. Em linhas gerais, a proposta segue a lógica da antiga PEC 32, priorizando o corte de gastos, a redução do número de carreiras, a avaliação de desempenho e a ampliação de parcerias com o setor privado.

 A lógica de transformar tudo em mercadoria ainda está presente. Isso ameaça o SUS, a educação pública, o saneamento e até a assistência social. Não se trata apenas da carreira do servidor, mas do modelo de Estado que se quer.

REFORMA À CONTA-GOTAS

Apesar da ausência de um projeto público formal, integrantes do governo têm deixado claro que a reforma já está em curso. A ministra afirma, em entrevistas, que mudanças vêm sendo implementadas por meio de medidas infraconstitucionais. José Celso Cardoso Jr., secretário de Gestão de Pessoas do MGI, confirmou: “O governo federal já está fazendo uma reforma administrativa na prática”, promovendo mudanças incrementais com impactos diretos sobre o serviço público.

Na Fiesp, Dweck afirmou que o governo busca uma modernização com base no diálogo social, valorização do servidor e qualificação permanente. Entretanto, a negociação ocorre exclusivamente com o setor empresarial, sem qualquer participação dos servidores públicos. 

Servidores protestam em frente à Fiesp, 24/03/2025.

Em protesto, no dia do evento, do lado de fora da Fiesp, as entidades representativas do funcionalismo expressavam preocupação com a possível retomada da PEC 32, temendo riscos à estabilidade, à qualidade do serviço público e ao modelo de Estado. E também, denunciando o papel do governo Lula nesse processo.

Inovações e governo digital

Esboço do governo corta 90% das atuais carreiras do serviço público federal. Ilustração: Lara Tapety

Entre as iniciativas consideradas prioritárias, a ministra Esther Dweck destacou a digitalização dos serviços públicos, o uso de inteligência artificial, a criação de infraestruturas digitais seguras e o compartilhamento de soluções com estados e municípios. Segundo ela, essas medidas tornariam o Estado mais eficiente e acessível.

Durante sua apresentação, Dweck exibiu um esboço da nova estrutura de carreiras, que prevê a redução de cerca de 300 para apenas 30 – uma eliminação de 90% das atuais carreiras do serviço público federal. O objetivo declarado é economizar entre 0,5% e 1% do PIB em cinco anos.

Essa meta revela o verdadeiro propósito da proposta. De onde viria essa economia? A resposta mais provável é: da redução de salários, da extinção de cargos e da precarização dos vínculos de trabalho. A lógica é cortar para que sobrem recursos em um Estado que não enfrenta as causas estruturais da crise.

Recursos públicos que deveriam fortalecer os serviços estatais acabam sendo transferidos ao setor privado por meio de terceirizações, Organizações Sociais (OSs) e outros mecanismos de privatização indireta. Trata-se de uma gestão orientada pelo interesse do capital, em detrimento do interesse público.

Se para os servidores a PEC 32 representa uma tragédia, para a população o impacto pode ser ainda mais grave. Na prática, a proposta elimina concursos públicos e os substitui por contratos temporários de até 10 anos, abrindo espaço para a entrada de apadrinhados nos três níveis da federação e multiplicando os cabides de emprego para cabos eleitorais. Isso compromete a qualidade dos serviços e a impessoalidade na administração pública.

O Brasil precisa de mais investimento público e mais serviços estatais de qualidade, não de cortes que fragilizam o atendimento à população.

Avaliação de desempenho e estabilidade

Trabalhador atrás de uma pilha de papelada. Foto: Elnur

A proposta prevê mudanças no sistema de progressão funcional, que passaria a ser baseado exclusivamente em desempenho. O acesso aos níveis mais elevados da carreira ficaria restrito a servidores com desempenho considerado altíssimo. Também está em debate o endurecimento da avaliação no estágio probatório e a criação de mecanismos de desligamento por desempenho insuficiente de forma continuada.

A manutenção da estabilidade apenas para as chamadas carreiras típicas de Estado levanta preocupações quanto à proteção dos servidores e à continuidade dos serviços públicos essenciais. Embora muitas vezes tratada como privilégio, a estabilidade é, na verdade, uma garantia para que o servidor atue com independência, em defesa do interesse público, sem sofrer pressões políticas. Ao limitar esse direito, a PEC 32 expõe a maioria dos servidores à vulnerabilidade de perseguições e demissões arbitrárias, comprometendo a autonomia funcional.

Na prática, a proposta amplia a responsabilização individual por falhas estruturais, além de abrir espaço para perseguições políticas e metas inatingíveis.

A avaliação de desempenho é necessária, mas, quando usada como instrumento de punição ou controle — sem vínculo com a valorização profissional e a melhoria dos serviços —, torna-se um mecanismo de coerção.

CRÍTICAS À PROPOSTA

  • Falta de participação efetiva: o processo ignora a escuta real dos servidores. As reuniões com entidades representativas têm caráter protocolar, sem debate substancial.
  • Falta de transparência: não há acesso público aos estudos técnicos que embasam a proposta, nem clareza sobre o cronograma.

O governo alega que a proposta foi discutida com entidades representativas nacionais nas mesas de negociação. No entanto, esses encontros serviram para manifestações contrárias às ideias do governo, e não para validar um projeto que sequer foi apresentado formalmente durante as reuniões.

REESTRUTURAÇÃO DE CARREIRAS

  • Achatamento salarial e possível nivelamento por baixo.
  • Perda de identidade profissional, com a fusão de carreiras distintas.
  • Mobilidade forçada entre órgãos, sem consulta aos servidores.

A proposta de permitir que servidores de áreas completamente distintas sejam transferidos entre órgãos evidencia um desprezo pela especialização e pelas especificidades do serviço público. A ministra também sugeriu que a progressão nas carreiras se baseie exclusivamente em mérito, desconsiderando o tempo de serviço. Ou seja, o desempenho — medido segundo critérios ainda vagos — passa a ser o único parâmetro.

QUESTÕES SALARIAIS

  • Ausência de proposta de recomposição inflacionária.
  • Estímulo à remuneração variável, inclusive em áreas onde metas são difíceis de mensurar.
  • Manutenção das desigualdades salariais entre os Poderes.

O servidor público acumula perdas salariais que afetam diretamente sua qualidade de vida. O reajuste conquistado em 2023, para muitas categorias, foi apenas parcial diante das perdas históricas. É urgente que o governo se comprometa, nas mesas de negociação, a discutir as perdas acumuladas, promover ambientes de trabalho saudáveis e garantir condições adequadas para o exercício das funções públicas.

TERCEIRIZAÇÃO

  • Risco de precarização e exploração dos trabalhadores. 
  • Ausência de mecanismos efetivos de controle de qualidade.
  • Aumento do clientelismo nas contratações de empresas terceirizadas.

DIGITALIZAÇÃO

  • Risco de exclusão digital de parcelas da população.
  • Falta de clareza sobre os investimentos necessários.
  • Incertezas quanto à segurança de dados sensíveis.

PRÓXIMOS PASSOS DA REFORMA

Ao final do evento, foram anunciadas as próximas ações do governo:

  • Realização de seminários regionais com federações industriais de outros estados.
  • Consultas setoriais com áreas específicas do setor produtivo. 
  • Apresentação do projeto final ao Congresso Nacional no próximo trimestre.

Diante das articulações no Congresso Nacional, é esperada, para as próximas semanas, a instalação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para discutir o tema. 

O interesse do setor privado

Sindsef-SP presente no ato do 1º de Maio de 2025.

A participação da ministra Esther Dweck no evento da FIESP aponta para a comunhão do governo Lula com o setor privado. 

Para o empresariado, o discurso de ineficiência do Estado e dos servidores públicos cumpre um papel estratégico de enfraquecer a confiança da população nos serviços públicos para justificar sua substituição por modelos privatizados. A lógica é reduzir o Estado para garantir direitos e ampliá-lo para beneficiar os negócios do capital.

Na prática, o que se pretende com a reforma é abrir ainda mais espaço para a terceirização, a atuação de Organizações Sociais (OSs) e a gestão privada de áreas essenciais como saúde, educação e assistência. O resultado é a transferência direta de recursos públicos para empresas privadas, em nome da “eficiência” e da “modernização”.

Por trás desse discurso ilusório, o que o setor privado de fato defende é que o governo gere o máximo de superávit para o pagamento da dívida pública, um perverso mecanismo que há décadas drena as riquezas do país para os bancos privados, ao custo da precarização do serviço público brasileiro, para a qual a reforma administrativa e outras medidas de austeridade neoliberal não são solução.

CONCLUSÃO

Ato no Dia Internacional dos/as Trabalhadores/as.

As críticas à proposta de reforma administrativa apresentada na Fiesp dizem respeito tanto à sua forma quanto ao conteúdo. O viés economicista é claro: reduzir custos, encolher estruturas e ampliar a participação do setor privado. Tudo isso sem ouvir quem vive o cotidiano do serviço público.

As medidas discutidas até agora — tanto no evento da Fiesp quanto nas entrelinhas da PEC 32 e nas ações práticas do atual governo — não visam à melhoria real do serviço público. Não enfrentam os desafios estruturais, não propõem capacitação, nem valorização dos servidores. A modernização prometida encobre a intenção de desvalorização do funcionalismo e de ampliação da privatização indireta do Estado.

A presença de empresários e representantes dos Três Poderes no desenho da reforma revela um pacto de cúpula, que desconsidera as necessidades da população e dos servidores. Se implementada, a proposta resultará em um Estado mais frágil, menos democrático e com serviços públicos cada vez mais precarizados.

A criação de um grupo de trabalho (GT) para discutir a reforma administrativa, anunciada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, é mais um sinal de que é hora de arregaçar as mangas e lutar!  A expectativa do governo é aprovar essa pauta até o fim de 2025.

Por isso, é fundamental fortalecer a resistência a esse projeto, com manifestações em defesa dos serviços públicos e dos direitos dos servidores. Assim como derrotamos a PEC 32 no governo anterior com organização e luta, no governo Lula a mobilização continua sendo nossa principal ferramenta para garantir direitos.

Fontes:

Confira o boletim disponível para download em PDF: https://www.sindsef-sp.org.br/app/uploads/2025/05/Boletim-Nova-reforma-administrativa-2025.pdf

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