COP30: o fracasso anunciado de uma conferência capturada pelos bilionários e a resistência que emergiu das ruas de Belém

COMPARTILHE

Compartilhe emfacebook
Compartilhe emtwitter
Compartilhe emwhatsapp
Compartilhe emtelegram

A 30ª Conferência do Clima (COP30), realizada em Belém, terminou deixando a sensação de que o abismo entre o discurso climático e a realidade econômica do capitalismo nunca foi tão explícito. Embora parte da imprensa tenha concentrado sua cobertura em questões periféricas — logística, incêndio, “segurança” —, o que realmente definiu esta edição foi o protagonismo absoluto de petroleiras, mineradoras e do agronegócio. 

Para os trabalhadores e para os povos historicamente oprimidos, o resultado é inequívoco: mais uma COP que fracassa em enfrentar as causas estruturais da crise climática e evidencia que o capitalismo não só não tem condições de deter a destruição ambiental, como é seu principal motor.

Um evento capturado pelos setores mais poluentes

A COP30 foi, nas palavras do secretário-geral do Sindsef-SP, Luis Gênova, “a celebração dos destruidores do meio ambiente”. A constatação é direta: quem mais lucra com a devastação (petroleiras, mineradoras e o grande agronegócio) foi justamente quem deu o tom das negociações. E isso não se expressou apenas simbolicamente. 

Durante a conferência, o governo Lula autorizou a liberação de 30 novos agrotóxicos, sendo 16 classificados como “muito perigosos ao meio ambiente” e outros 14 como “perigosos”, conforme o próprio Ministério da Agricultura. Entre os liberados, há substâncias proibidas na União Europeia e associadas a malformações fetais e danos neurológicos.

A contradição dispensa rodeios. No mesmo momento em que tentava vender ao mundo a imagem de liderança climática, o país aprofundava sua aliança com os setores responsáveis pela maior parte das emissões brasileiras e pela devastação dos biomas. Não se trata de um erro ou deslize, trata-se de um projeto coerente com a lógica de mercantilização da terra, da água e da energia.

A resistência rompeu o cerco

Se a COP foi tomada pelo capital dentro dos pavilhões, do lado de fora — e até dentro da própria Zona Azul — emergiu uma das maiores mobilizações populares da história das conferências climáticas. As ruas de Belém revelaram aquilo que a estrutura oficial tenta permanentemente silenciar: os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores familiares, trabalhadores urbanos e movimentos sociais são os verdadeiros protagonistas da defesa do clima. E eles se fizeram ouvir.

A barqueata e a abertura da Cúpula dos Povos

Barqueata da Cúpula dos Povos, liderada pela “Caravana da Resposta”. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

As mobilizações começaram logo no início da conferência. Na abertura da Cúpula dos Povos, uma barqueata com mais de 200 embarcações e cerca de cinco mil participantes tomou as águas da Baía do Guajará, reunindo comunidades tradicionais, ribeirinhos, organizações sociais e delegações internacionais. A cena marcou o ponto de partida da resistência popular, afirmando que a justiça climática nasce nos territórios, e não nas mesas de negociação controladas por corporações.

A ocupação da Zona Azul e a repressão aos povos da floresta

Cerca de 90 indígenas ocuparam o acesso à Zona Azul por volta das 5h40 da manhã do dia 14. Foto: © Gabriel Corrêa/Rádio Nacional

A resistência indígena ganhou força ainda nos primeiros dias da COP30, quando, na noite de 11 de novembro, indígenas ultrapassaram a barreira da GLO, driblaram a segurança da ONU e ocuparam a Zona Azul, área restrita das negociações diplomáticas. O protesto foi contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas, a privatização de rios, especialmente o Tapajós, e em defesa da demarcação de terras.

É importante destacar que, em 28 de agosto, o governo federal publicou o Decreto nº 12.600/2025, que inclui trechos dos rios Madeira, Tocantins e Tapajós no Programa Nacional de Desestatização, privatizando hidrovias vitais da Amazônia sem consulta prévia às comunidades afetadas, como determina a Convenção 169 da OIT. A medida converte rios inteiros (patrimônios coletivos e sistemas ecológicos fundamentais para povos indígenas, ribeirinhos e pescadores) em ativos privados a serviço do agronegócio e da mineração, abrindo caminho para dragagens agressivas, derrocamentos e tráfego intensivo de barcaças que ameaçam ecossistemas e modos de vida.

Após participação em protesto sobre saúde e clima, grupo composto por indígenas e ativistas foram até a zona azul da COP30 e foram barrados pela segurança. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress).

Na manhã seguinte, em 12 de novembro, a repressão se intensificou e ficou evidente na Zona Verde, onde indígenas Munduruku foram impedidos de entrar para participar de um seminário sobre hidrovias e portos da Amazônia. Mulheres com crianças no colo aguardaram por longo período sob sol forte, e bordunas e flechas foram retiradas por agentes da segurança e da Polícia Federal. O Ministério Público Federal classificou o episódio como um caso claro de racismo institucional.

Esses dois episódios escancararam a seletividade da COP30: portas abertas para o agronegócio, portadores de crachás corporativos e governos alinhados; portas fechadas para quem realmente cuida das florestas.

O escracho do MST na Agrizone

Militantes do MST realizaram manifestação na área destinada aos debates ligados ao agronegócio. Foto: Priscila Ramos

Poucos dias depois, o MST realizou um escracho na Agrizone, denunciando o agronegócio como principal responsável pelas emissões brasileiras e pela contaminação por agrotóxicos. Em um ato performático, militantes levaram um prato com produtos de monocultivo acompanhado de uma caveira, encenaram a “morte” causada pelos pesticidas e circularam com pulverizadores com a palavra “glifosato”. Foi uma intervenção direta no espaço dominado por Bayer, Syngenta, Nestlé, PepsiCo e outras empresas com histórico de destruição ambiental.

A Marcha Mundial pelo Clima 

No dia 15 de novembro, a resistência alcançou seu ápice. A Marcha Mundial pelo Clima levou cerca de 70 mil pessoas às ruas de Belém, em uma das maiores mobilizações climáticas da Amazônia. Povos indígenas de toda a América do Sul marcharam ao lado de movimentos sociais, sindicatos, mulheres, juventudes, partidos de esquerda e coletivos ambientais. No mesmo dia, o Tribunal Autônomo e Permanente dos Povos contra o Ecogenocídio apresentou sua sentença condenando Estados e grandes corporações por violações sistemáticas contra comunidades tradicionais.

Marcha Global dos Povos Indígenas – A Resposta Somos Nós, evento paralelo à COP30. Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

O protesto indígena na reta final da COP

Já na última semana da conferência, em 21 de novembro, indígenas realizaram um forte protesto dentro da Zona Azul, entoando cantos, ergueram cartazes pela demarcação dos territórios, em defesa dos guarani kaiowá e contra empresas canadenses que exploram mineração em territórios indígenas nas Américas. Exigiram também a revogação do Decreto n.º 12.600/2025, que privatiza empreendimentos hidroviários estratégicos nos rios Madeira, Tocantins e Tapajós. A ação ocorreu logo após a Plenária dos Povos, organizada pela Climate Action Network – International, que reúne mais de 1.300 organizações não governamentais.

Ali, a contradição da COP ficou ainda mais exposta. Enquanto negociadores ligados a empresas responsáveis pela devastação circulavam livremente, os povos da floresta precisaram romper barreiras para serem ouvidos.

O acordo final: avanços formais que não respondem à urgência

Do ponto de vista diplomático, a COP30 entregou um conjunto híbrido de decisões. Houve a adoção da Meta Global de Adaptação (GGA) — embora com indicadores reduzidos e menos ambiciosos do que o previsto originalmente — e a criação do Mecanismo de Ação de Belém (BAM), uma tentativa ainda incipiente de estruturar o debate sobre transição justa nos países em desenvolvimento. Outros avanços formais incluíram o reconhecimento do papel decisivo dos povos indígenas na proteção das florestas e a entrada inédita do comércio internacional na agenda climática.

No entanto, esses passos caminham ao lado de lacunas graves. Não há qualquer menção a combustíveis fósseis no texto final, apesar do clamor científico e popular por sua eliminação. Não houve acordo sobre como reduzir o abismo entre o que o mundo promete e o que seria necessário para manter a meta de 1,5°C. As negociações de financiamento climático estagnaram; os países “se comprometeram” apenas em “fazer esforços” para triplicar os recursos de adaptação até 2035, sem definir valores, fontes ou responsabilidades. 

Em síntese, a COP30 conseguiu evitar um colapso diplomático, mas não entregou nada proporcional à gravidade da crise climática.

O capitalismo verde chega ao limite

A COP30 manteve um padrão que se repete há 30 anos: enquanto os governos anunciam compromissos, as emissões globais seguem crescendo. Não é coincidência. As conferências foram gradualmente capturadas pelos interesses do capital. As últimas edições — a de Dubai e agora a de Belém — ficaram conhecidas como “COPs do petróleo”, nas quais petroleiras e mineradoras não só participam, como lideram debates e orientam os termos dos acordos.

Empresas responsáveis por crimes ambientais recentes — como Braskem e Vale — circularam pelos espaços oficiais promovendo greenwashing (estratégia de marketing enganosa usada para se apresentarem como mais sustentáveis), enquanto comunidades atingidas pelos desastres que estas empresas causaram continuam invisibilizadas. Pesquisadores como Carlos Nobre e Thelma Krug alertam que o planeta está a menos de dez anos de atravessar pontos de não retorno caso os combustíveis fósseis não sejam abandonados imediatamente.

Discurso verde, prática destrutiva: O caso do Porto de Maricá

A contradição do governo Lula ficou ainda mais explícita com o debate sobre o porto de Maricá, no Rio de Janeiro. A obra, apoiada por governos do PT e criticada por ambientalistas, ameaça dunas, restingas, ecossistemas únicos e até registros geológicos descritos por Darwin. Voltada à cadeia do petróleo e com forte presença de interesses internacionais, especialmente da China, a construção simboliza perfeitamente o modelo de “desenvolvimento” que sacrifica territórios e modos de vida em nome da circulação global de mercadorias. É a essência do capitalismo: o lucro acima de tudo!

Enquanto Belém recebia a COP, o governo Lula defendia a expansão petrolífera e o agronegócio — os mesmos setores que estruturam a crise climática nacional.

“Socialismo ou Barbárie”

A COP30 não trouxe respostas estruturais para os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, trabalhadores urbanos e comunidades periféricas. Continuam sem solução problemas como a fome gerada pelos monocultivos, a violência no campo, o envenenamento por agrotóxicos, o desmatamento crescente, os impactos de grandes obras e a desigualdade ambiental que determina quem morre em enchentes, quem perde sua casa em deslizamentos e quem é expulso de seus territórios.

O capitalismo transforma a crise climática em negócio — e as COPs funcionam como auditórios de legitimação desse processo.

Como afirmou Luis Gênova, “a disjuntiva ‘Socialismo ou Barbárie’ nunca se apresentou de forma tão dramática”. O balanço político da COP30 não deixa margem para dúvidas: o sistema que produz a crise não tem condições de superá-la. 

A disputa climática é, antes de tudo, uma disputa de classe. Os que mais sofrem com a destruição ambiental são aqueles que têm raça, território e classe social bem definidas — indígenas, negros, migrantes, trabalhadores precarizados, comunidades atingidas por obras e zonas de sacrifício.

Sem romper com o controle privado da energia, da terra, das águas e dos bens comuns, não há saída possível. A alternativa é construir um projeto de transição ecológica radical, que envolva soberania energética, reforma agrária popular, agroecologia, expropriação de grandes poluidores e defesa incondicional dos territórios e dos povos que resistem. E isso não será possível com o capitalismo. Afirmar o contrário é a verdadeira utopia!

O que a COP30 representou para a classe trabalhadora?

A COP30 evidenciou contradições profundas do governo Lula e expôs, mais uma vez, a distância entre o discurso climático e a prática submissa aos setores que lucram com a destruição ambiental. Diante desse cenário, é necessário reafirmar alguns pontos centrais para compreender o que a COP30 realmente representou para a classe trabalhadora.

  1. Os trabalhadores estão entre os principais atingidos pela crise climática, vivendo os impactos diretos das enchentes, das ondas de calor, da precarização das condições de vida e da contaminação por agrotóxicos.
  2. O governo brasileiro segue cedendo às pressões das mineradoras, petroleiras e do agronegócio, reproduzindo um modelo de desenvolvimento que aprofunda desigualdades e destrói territórios.
  3. Os avanços formais da COP30 permanecem muito abaixo do necessário, incapazes de responder à urgência colocada pela ciência e pelas populações que já vivem a emergência climática no cotidiano.
  4. A pauta climática é uma pauta de classe, atravessando trabalho, saúde, moradia, alimentação, soberania e dignidade, e não pode ser tratada como um apêndice ambiental ou técnico.
  5. A força política que emergiu nas ruas de Belém — com povos indígenas, movimentos sociais e trabalhadores organizados — mostrou que existe resistência concreta, e que ela se opõe frontalmente ao modelo destrutivo respaldado pelas elites.

Enquanto as COPs forem dominadas pelos setores que mais lucram com a devastação, caberá à classe trabalhadora e aos povos oprimidos organizar-se, denunciar, resistir e lutar pelas necessárias mudanças. A COP30 expôs o fracasso estrutural das elites em enfrentar a crise climática, mas também revelou a potência das mobilizações populares — a única força capaz de apontar para um futuro que coloque a vida acima do lucro, a natureza acima do mercado e a dignidade acima dos interesses do capital.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Notícias