A proposta da reforma administrativa que tramita no Congresso Nacional ganha contornos cada vez mais concretos. Um dos pontos que mais chamaram atenção nesta fase foi a tentativa de impor limites rígidos ao teletrabalho no serviço público. Pelo texto em discussão, cada servidor poderia atuar remotamente apenas um dia útil por semana, e apenas até 20% do quadro de cada órgão teria direito a esse regime de forma simultânea.
Embora haja previsão de exceções, como para mães de pessoas com deficiência, a medida contraria a experiência já consolidada no funcionalismo com o Programa de Gestão e Desempenho (PGD). Criado durante a pandemia, o PGD mostrou ganhos claros de produtividade, redução de custos e até impactos positivos na sustentabilidade, já que diminuiu deslocamentos e, com isso, a emissão de poluentes. Além disso, houve queda no absenteísmo e melhora nas entregas.
A fala do relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), ao justificar que seria necessário “acabar com a bagunça” no teletrabalho, revela a lógica por trás da proposta: a desconfiança permanente sobre o servidor público. É o mesmo discurso que aparece em experiências do setor privado, como a recente demissão de cerca de mil trabalhadores pelo banco Itaú, acusados de baixa produtividade em regime remoto com base em softwares de monitoramento. Importar esse modelo para o serviço público significa trocar a valorização do trabalho por uma política de vigilância e punição.
Fim dos concursos e da estabilidade
Outro eixo da reforma administrativa envolve o Concurso Nacional Unificado (CNU). O governo e o Congresso querem ampliar sua abrangência para estados e municípios, argumentando que isso reduziria custos e aumentaria a transparência dos processos seletivos. No entanto, a proposta não se limita a unificar concursos: ela prevê novas regras de avaliação, metas de produtividade e pagamento de bônus por resultados, medidas que aproximam o serviço público da lógica empresarial.
Esse movimento é preocupante, porque pode restringir ainda mais o acesso da classe trabalhadora aos concursos e precarizar a carreira dos que ingressarem. A ideia de que metas e bônus substituem direitos é uma estratégia para fragilizar a estabilidade e sujeitar servidores a pressões políticas e econômicas.
A mudança mais drástica, porém, está na tentativa de extinguir a estabilidade para a maioria dos servidores. O relatório propõe a criação da figura do “estatutário temporário”, com contratos de 3, 5 ou até 10 anos, que só seriam renovados se a administração pública assim decidisse. Na prática, isso significa que professores, enfermeiros, técnicos administrativos e analistas (categorias que sustentam a prestação de serviços à população) ficariam à mercê da rotatividade e da insegurança profissional.
É justamente nesse ponto que cresce a contradição com o discurso oficial. Enquanto o coordenador do GT da Reforma, Pedro Paulo, e o presidente da Câmara, Hugo Motta, declaram que a estabilidade não será mexida, o próprio texto em discussão mostra o contrário. A proposta abre espaço para novos vínculos sem concurso público e contratações temporárias irrestritas nas três esferas de governo.
Na prática, isso significa o fim da estabilidade como conhecemos, recurso fundamental que protege o servidor contra perseguições políticas e garante a atuação técnica e imparcial do Estado. Além disso, a existência desses novos vínculos aumenta a pressão sobre os servidores estáveis, que passam a trabalhar em um ambiente mais frágil e permeado por interesses políticos.
Manter a estabilidade para algumas carreiras de Estado (como magistrados, promotores e policiais) e retirar essa garantia de categorias que atuam diretamente com a população escancara o objetivo central da reforma: preservar setores estratégicos de controle, enquanto precariza as áreas sociais, como saúde e educação, que são justamente as mais demandadas pela sociedade.
Conforme o Sindsef-SP vem alertando, sob o discurso de modernização e eficiência, o que está em jogo é um desmonte silencioso do serviço público, que ameaça conquistas históricas e pode abrir espaço para perseguições políticas, precarização e queda na qualidade do atendimento à população.
O sindicato seguirá acompanhando cada etapa da tramitação e chama a categoria à mobilização: participe da assembleia geral na próxima quinta-feira (18), às 19h, via plataforma Zoom. A reforma administrativa está em pauta, além da situação nos órgãos e de informes gerais.