Seminário debate violência policial, cotas e o negro na literatura brasileira. Realizado pelo Sintrajud e Sindsef-SP, no último dia 24, evento debateu como a população negra sofre com o racismo e como ele se reproduz na sociedade.
Por Caê Batista
O extermínio da população pobre, em sua ampla maioria negra; a adoção de cotas para negros nas universidades públicas e a presença do negro na literatura brasileira são temas que, além de atuais, merecem muita reflexão. Merecem também os dados oficiais de todos os institutos de pesquisa que demonstram serem negros e negras aqueles trabalhadores com menores salários e nas piores funções.
Esses dados confirmam que o racismo existe e tem a função de superexplorar um setor da classe trabalhadora. Em outras palavras, o racismo dá maiores lucros. E foi pensando nesses temas que Sintrajud e Sindsef-SP organizaram o Seminário sobre a Consciência Negra deste ano.
Realizado no auditório do Sintrajud no sábado (24), o evento contou com a presença de servidores das diversas categorias. Quem compareceu teve uma aula sobre o que é racismo, como ele foi historicamente construído e por quais maneiras ele se perpetua.
“É uma articulação muito sofisticada”, definiu Joselício Junior, militante do Psol e do Círculo Palmarino, primeiro palestrante do dia, ao defender a adoção de cotas nas universidades públicas como um mecanismo de reparação à população negra. Juninho, como é conhecido, enxerga nessas políticas afirmativas “um instrumento da organização da classe trabalhadora e da população negra”.
Outro ponto positivo dessa política é o caráter educativo que o debate em torno do tema produz. “Onde se estabelece o debate de cotas, se discute o racismo”, afirma. O palestrante foi além e tocou em um dos pontos mais sensíveis do debate: o papel do vestibular. “Vejo o vestibular como um funil social. Onde são aprovados aqueles mais bem preparados para realizar uma prova. Mas o conhecimento não se mede apenas por uma prova”, criticou.
A partir das estatísticas das universidades públicas que já adotam o sistema de cotas, Juninho afirmou que o desempenho dos “alunos cotistas é igual ou melhor do que o dos não cotistas”. Ele ressaltou que os negros querem produzir conhecimento “para a sociedade” e que é fundamental que se garanta cotas raciais no serviço público, mas reconheceu o limite da política de cotas. “Não são elas que vão garantir mudanças, mas podem ajudar a construir um mundo melhor”.
O negro na literatura brasileira
Segundo palestrante foi Wilson H. Silva, militante do PSTU e do Quilombo Raça e Classe da CSP-Conlutas. Graduado e mestre pela Universidade de São Paulo ele nunca teve um professor negro. Segundo disse, naquela universidade apenas 0,9% dos docentes são negros.
A ausência de negros na universidade é histórica, e explica, ao menos em partes, por que a literatura negra não é conhecida. Por outro lado, ao longo do tempo, diferentes imagens do negro foram construídas na cultura, que é, segundo Wilson, um “reflexo distorcido da sociedade”.
A partir desta afirmação, o palestrante discorreu sobre as formas como o racismo se manifesta também na arte em geral, e na literatura em particular. Ele afirmou que não existe preconceito nato, e que embora já existisse racismo antes do capitalismo, foi este sistema que construiu o racismo da forma como o vivenciamos, “para justificar a escravidão”. “Qual era a justificativa para matar, sequestrar, torturar, estuprar? Que os negros não eram gente. Para escravizar, era preciso coisificar. Criou-se, então, um estereótipo”, explicou.
Estereótipos que estão presentes nos três personagens negros de Monteiro Lobato: o Saci é o garoto de rua, sacana, que não tem ninguém para defendê-lo ou a quem prestar satisfação; a Tia Anastácia é a ama de leite, que fica o dia todo na cozinha e o Tio Barnabé é o negro para o qual não houve abolição da escravatura. “O negro não tem família” nessas representações, portanto, “é desumanizado, coisificado. A Tia Anastácia não tem outra coisa para fazer a não ser ficar na cozinha o dia todo”, explicou.
Mas engana-se quem pensa que tais representações são aleatórias e pertencem ao passado. Elas representam e reforçam uma maneira de pensar da sociedade e são constantemente reproduzidas. Um exemplo é a ‘mulata globeleza’, garota propaganda do carnaval da Rede Globo, que vai ao ar todo ano. Segundo Wilson, nessa representação “a mulher negra é apresentada como um animal sexual”.
Outro exemplo foi a recente propaganda da Caixa Econômica Federal, que escolheu um ator branco para representar o escritor Machado de Assis, que era negro: “O maior escritor da literatura brasileira não pode ser identificado como negro”, disse.
Wilson ainda deu outros exemplos de como o negro está representado em obras literárias. Em Navio Negreiro (Castro Alves) o negro é apresentado como vítima, e a sua liberdade seria dada pelos brancos. Já em O Cortiço (Aluísio Azevedo), o negro é infantilizado, animalizado e sexualizado.
O palestrante também denunciou o governo Lula, que ao aprovar a lei obrigando o ensino da cultura africana, vetou o artigo que destinaria verbas para dar formação aos professores. Citando escritores negros que merecem ser lidos (Luis Gama, Lima Barreto, Cruz e Souza, Luiz Guedes e Solano Trindade) Wilson concluiu: “Recuperar a cultura negra é recuperar a nossa história para enfrentar o racismo”.
Violência contra a população negra
Nas últimas semanas, a cada noite são mortos entre 15 e 20 jovens na periferia, em sua ampla maioria, negros. Desde o começo do ano, são mais de mil mortos. Ainda pode ser prematuro afirmar que grupos de extermínio voltaram a atuar em São Paulo, mas pelas declarações do ex-delegado-geral da Polícia Civil há fortes indícios de que eles estariam atuando.
“A violência contra o negro sempre foi uma constante”, disse José Eduardo Rosa, terceiro palestrante do dia e militante do Espaço Socialista e integrante do coletivo Rosa Negra, mas agora, “a PM está tentando ampliar essa limpeza étnica”, afirmou. Por trás dessa limpeza, que tem matado muita gente, estão as obras da Copa do Mundo e a especulação imobiliária. “E não são mortos só pelo cano da arma de um policial”, disse.
Segundo Eduardo Rosa, a violência exercida pela PM “é parte que aparece. Mas a corporação executa os ideais da parte que não aparece, o Estado Capitalista”. A mesma violência aconteceu em outros momentos da história, disse o palestrante, como na Revolta da Vacina e na Revolta da Chibata. Nesta, contou Eduardo, os castigos corporais, mesmo extintos da Marinha, eram permitidos contra os negros.
Já nos anos 1980, “aqui no Anhangabaú, a negrada se reunia para dançar break. A PM vinha e espancava. Houve um momento em o número de negros mortos no Brasil era igual ao número da África do Sul”, disse.
Ele destacou ainda que a sociedade autoriza a violência contra os negros, muito além das agressões físicas e assassinatos cometidos pela PM. “À população negra é negado o acesso ao trabalho, os heróis negros que enfrentaram a Ditadura Militar foram esquecidos. Por que não é interessante lembrar dos negros que foram para a guerrilha?”.
E para combater essa violência, disse Eduardo, é preciso ir além da solidariedade, inclusive a esquerda e o movimento sindical. Segundo disse, ao longo de sua história, a CUT “não fez outra coisa se não enganar o debate sobre racismo”.
Fonte: Sintrajud