Crônica: Eu cantava às quintas-feiras

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Por dois anos, houve um coral no Incra em São Paulo. De setembro de 2017 a setembro de 2019 nós cantamos, e mais que isso: percebemos nossa própria voz e a dos demais. Nos reconhecemos de outro jeito. O Coral Vozes da Terra acontecia todas as quintas-feiras, no auditório do Incra em São Paulo. Esse breve período reafirmou minha crença na arte e nas soluções coletivas.

Tivemos o privilégio de ter como regente o maestro Eduardo Fernandes, profissional reconhecido pelas inovações que trouxe ao canto coral no país. Ele nos surpreendeu ao aceitar reger e formar nosso grupo do zero, a partir de uma consulta do colega agrônomo Paulo Araújo. O que seria uma conversa inicial tornou- se o primeiro ensaio naquele 15 de setembro, um dia quente de primavera: o maestro logo nos tirou das poltronas onde estávamos sentados, fez uma dinâmica, explicou elementos básicos do som da voz. O coral tinha começado.

O grande idealizador do coral foi o já citado Paulão, que além de perito federal agrário é um artista multifacetado, autor de diversos projetos musicais e literários, alguns bem inusitados. Naquela época ele estava bastante engajado no canto coral, e pensou em trazer aquela experiência para o ambiente de trabalho, mesmo sem a perspectiva de ajuda institucional nem financeira de qualquer tipo. O coral sempre foi financiado pelos próprios participantes, com apoio pontual das entidades como Sindsef/SP ou Assincra/SP para camisetas ou algum banner para apresentações.

Em pouco tempo nos tornamos um grupo. O repertório foi aumentando, assim como as técnicas vocais, de percussão corporal, pequenas coreografias – em sintonia com o coral cênico que é marca desse regente. Ele nos proporcionou ainda a oportunidade de conviver com dois regentes assistentes incríveis: primeiro, o Luis Guilherme Anselmi; depois, Ricardo Barison –, ambos músicos e cantores talentosos. Eles nos levaram a conquistas gradativas, cada dificuldade superada com paciência ou insistência, risos, broncas e muito profissionalismo.

A convivência com colegas de outros setores permitiu uma visão mais humanizada deles. Referência a algum trabalho ou necessidade de faltar ao ensaio mostravam outras faces de sua dedicação e me fizeram valorizar ainda mais os excelentes profissionais que atuam no Incra, sem falar nas personalidades peculiares de cada um. A grande satisfação do coral foi o próprio processo, os momentos que desfrutamos. Mas os resultados foram gratificantes, em especial a alegria calorosa dos colegas nas festas juninas ou no final de ano, ou até nas apresentações-relâmpago pelos andares do prédio.

Com a interdição judicial do prédio do Incra/SP, o ensaio marcado para aquela quinta-feira, dia 5 de setembro de 2019, não ocorreu. Essa interdição foi resultado de uma ação por falta de segurança no prédio, que se arrastava judicialmente desde 2016, sem contar longos anos de questionamentos administrativos. A interrupção foi abrupta. Depois ainda veio a pandemia da Covid-19, e hoje aquela vivência de trabalho, reuniões, cafés na copa parecem cenas irreais. Assim como os espaços de confraternização, como foi o coral, ou os momentos de confronto, como greves e protestos.

Trabalho remoto e reuniões virtuais substituíram as rotinas arraigadas, outros problemas de saúde e de trabalho se somaram aos antigos. Mas em algum lugar aquelas vozes continuam cantando: nos pequenos vídeos de festinhas ou apresentações nos andares, nas fotos estranhamente efusivas e nas memórias despertadas por alguma das muitas canções que cantamos durante aqueles dois anos. E ao ouvir alguma música do nosso repertório é um consolo perceber a conexão com outros tempos, espaços e pessoas que também compartilharam as mesmas dores, indignação e esperança.

Clique aqui para ler e baixar o livro ‘Incra 50 anos: a autarquia sob o olhar de seus servidores’.O texto completo da crônica acima está na página 135, a leitura vale cada minuto. 

 

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